Luma Elora Aislin

Luma Elora Aislin
Sabá de Ostara

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Uma linda lenda sobre a criação do inverno.




Quem Trouxe O Inverno Sem Fim Para A Terra?


Noroeste do Pacífico



Uma vez, não muito tempo atrás, o inverno veio e ficou.
Sob o gelo imóvel do rio congelado, a água estava despovoada.
Ali, já houvera peixes, mas todos foram apanhados e consumidos.
Havia fome nas tendas. Os ventos da primavera não aqueceram aterra. Os dias não tinham se tornado mais longos.
A cada manhã, enquanto o sol erguia-se tardiamente no céu, os anciãos da aldeia trocavam olhares, querendo saber quando a primavera finalmente chegaria. Todos os dias, as mães escavavam a neve, à procura do único alimento possível: brotos e folhas que, quando misturados, tinham sabor semelhante a serragem e remédio, mas, mesmo assim, pareciam ter um gosto bom para pessoas esfomeadas.
As crianças estavam com muita, muita fome. Os anciãos, contando os dias, sabiam que era junho. Mas a neve do chão continuava unida ao gelo do rio. À noite, ventos violentos sacudiam as tendas de couro, enquanto as crianças se apertavam em seus cobertores de pele, tentando ignorar a dor em seus estômagos.
Em julho, havia tanto gelo e neve como se fosse dezembro. Por fim, uma assembléia foi convocada e realizada na casa da mulher mais velha. Um por um, os anciãos entraram na tenda, formando um círculo ao redor da pequena fogueira.
- Qual – perguntou o ancião mais velho – é o motivo para o inverno perdurar por tantos meses em nossa terra?
Todos fizeram silêncio, olhando fixamente para o fogo e vasculhando suas memórias. Sabiam que algo perturbara os espíritos da terra. Alguma coisa provocara esse castigo. Mas, o quê?
Os anciãos ficaram sentados com os olhos fechados e enrolados em suas mantas de pele, enquanto se concentravam na questão. Aqui e ali uma testa ficava ainda mais enrugada.
Uma hora passou em silêncio. Então, uma voz velha falou baixo:
- Um pássaro foi morto.
Os anciãos não se mexeram, mas seus olhares se dirigiram para o velho que havia falado.
- Um inverno sem fim é resultado da morte desnecessária de um pássaro. – ele continuou.
Lentamente, os anciãos começaram a relaxar. Eles se olhavam aquiescendo levemente com a cabeça. Sim, era isso! Era um acontecimento tão raro que ninguém se lembrava do último incidente, mas todos tinham ouvido a história, vagamente, anos atrás, em suas juventudes.
Alguém da vila matara um pássaro. E encontrar o responsável seria o único modo da primavera chegar.
Um por um, cada membro de cada família foi chamado. Cada um disse aos anciãos:
- Eu não matei nenhum pássaro, exceto para comer.
Primeiro, vieram os caçadores: nenhum deles tinha cometido oi crime. Também, nenhuma das mães o admitiu. Uma por uma, as crianças também o negaram. Cada um disse as palavras imprescindíveis: “Eu não matei nenhum pássaro, exceto para comer”.
Finalmente, uma menina deixou escapar:
- Eu não matei nenhum pássaro, exceto para comer... mas, Wakanee sim! Eu vi!
Os anciãos se olharam sombriamente. Wakanee era uma garota de olhar brilhante, a única filha de seus pais. Ela foi chamada para o conselho dos anciãos. Chorando, admitiu o crime.
- Eu não pretendia fazer isso! – tentou explicar – Eu estava arremessando pedras e uma delas atingiu o pássaro e ele morreu.
A família de Wakanee se enrijeceu de tristeza. Seu pai olhou tristemente para sua esposa. A mãe de Wakanee cerrou seus punhos, mas nada disse, nem para sua filha, nem para os anciãos.
Calados, os pais deixaram a tenda, retornando poucos minutos depois com Wakanee vestindo suas melhores roupas: um par de mocassins macios bordados com espinhos de ouriço, uma saia quente de couro e uma blusa de franjas com contas. Eram roupas de festa, mas Wakanee, com lágrimas escorrendo por sua face, sabia que nenhuma festa esperava por ela.
Alguém começou a cantarolar tão pesarosamente quanto o vento que açoitava as tendas todas as noites. Os pais de Wakanee removeram as lindas roupas de festa. Ela não ofereceu resistência.
Em seguida, as pessoas caminharam, uma por uma, para a margem do rio, através da neve esmagada. A mãe de Wakanee caminhava calada ao lado de sua filha.
Na margem, onde a neve encontrava o gelo, um dos anciãos aproximou-se de Wakanee e colocou as mãos sobre os seus ombros. Todos se curvaram. Lágrimas escorriam do canto de muitos olhos.
Wakanee tinha parado de chorar, pois estava muito assustada para isso. Não sabia o que iria acontecer, mas estava com medo. Ela estava tensa e pálida sob as pesadas mãos do ancião.
O ancião levantou as mãos e os olhos, apontou para o gelo. Wakanee não entendeu e continuou imóvel, olhando para o ancião. Ele apontou novamente, nada dizendo. Wakanee compreendeu que ele dizia para ela caminhar para o rio congelado. Ela vira as pessoas caminhando pelo rio por todo o inverno. Isso não a assustou. Então, ela começou a caminhar.
O rio era muito largo naquele ponto, fazendo com que Wakanee demorasse a atingir o meio. Ali chegando, virou-se e olhou para a pequena aglomeração de pessoas reunidas na margem.
Ela começou a levantar a mão para acenar.
Um repentino estrondo foi ouvido e num instante a primavera chegou. O gelo do rio foi, de repente, carregado por correntes violentas, levando Wakanee para longe das pessoas reunidas na margem.
Na aldeia, toda a neve derretia e escorria torrencialmente para o rio. Os pássaros chegaram em uma profusão de cantos. As árvores brotaram e se encheram de folhas em um único instante. Do solo vazio, plantas nasceram e floresceram.
A transformação do inverno fora de época levou apenas um momento. Os aldeãos ficaram sem fôlego, atordoados e extasiados pela velocidade da chegada do verão. As crianças correram para as florestas, sorrindo, para colher morangos.
A mãe de Wakanee caminhou lentamente para casa com o marido ao seu lado. Eles reconheciam a justiça na punição da filha. Ficaram contentes pelos outros, pois novamente havia comida para os alimentar. Mas sofriam, pois não tinham outros filhos. Eles envelheceriam solitários.
O verão passou serenamente, embora a aldeia sentisse a falta da alegre menina que tinha desaparecido no gelo partido. Os rios estavam cheios de salmão. As pessoas pescavam mais do que o suficiente para o inverno, algumas secando e estocando o precioso óleo em caixas de madeira. Havia muitos frutos: mirtilos carnudos, suculentas framboesas e amoras. Havia comida suficiente para dois invernos. As pessoas juntavam o que precisavam e armazenavam uma parte para tempos mais difíceis.
O inverno chegou mais tarde naquele ano, como se para compensar sua longa permanência da última vez. E quando chegou, veio de mansinho. Os ventos do mar sopraram frios na aldeia por muitas semanas antes dos picos das montanhas ficarem brancos. E a neve que chegou atrasada, não durou muitos meses. Mal deu para a passagem daquela estação antes que a primavera voltasse novamente.
O rio arrastava grandes pedaços de sua cobertura gelada. Flutuando em direção ao mar, os icebergs se derretiam. Às vezes, um iceberg realmente grande passava próximo à margem do rio e os aldeões sorriam, felizes por verem o inverno desaparecendo rapidamente.
Um dia, entretanto, um bloco de gelo, passando rapidamente rio abaixo, prendeu-se numa raiz exposta de um enorme cedro, nas proximidades da aldeia. Houve uma grande agitação, pois quando as pessoas tentaram retira-lo, viram, em seu interior, o corpo congelado de Wakanee.
O corpo da menina deveria ter sido carregado para o mar no inverna anterior. Ninguém conseguia explicar porque ele estava ali, tomando o caminho errado pelas águas. No entanto, quebraram o gelo, puxaram o corpo da menina para a margem e o carregaram solenemente para a aldeia. Ela era, depois de tudo, uma heroína. A menina morrera para salvar sua aldeia. Seu crime, eles sabiam, não fora intencional, mesmo assim, ela sofrera terrivelmente por isso.
Mal chegaram com o corpo na aldeia, um rubor lentamente se espalhou pelas faces de Wakanee. Sua mãe saiu correndo ao encontro da filha. Wakanee deu um grande suspiro, o som da respiração indo para os pulmões vazios por mais de um ano. Então, abriu os olhos.
Ao levantar os olhos, viu os aldeões olhando-a fixamente. Ela se encolheu em um canto e respirou profundamente outra vez. De todos os cantos da pequena aldeia, as pessoas corriam para vê-la.
Ela se levantou e falou para a anciã mais velha da aldeia, pois o homem que a enviara para o gelo morrera no inverna anterior e essa mulher era, agora, a mais velha dentre os anciãos.
- Avó – ela disse -, eu retornei!
A velha mulher confirmou com um aceno da cabeça.
- Eu aprendi muitas coisas que serão úteis. – disse Wakanee.
A velha mulher confirmou com a cabeça novamente.
-Eu devo ter minha própria tenda e um caçador para caçar para mim. – Wakanee finalizou.
A mulher confirmou novamente, olhando através do círculo de aldeões para um jovem homem, um bom caçador. Ela lhe acenou com a cabeça e, depois, para Wakanee.
- Cuide disso. – ela disse.
Wakanee viveu como um ser sagrado, pois entendia o inverno e lia seus sinais. Quando o céu se enchia de nuvens escuras e finas, ela podia dizer se a neve estava ou não chegando. Ela conhecia as espessuras do gelo através de sua cor azulada, a resistência da camada congelada do rio sob seus pés e os locais em que a neve atingiria os frutos de inverno. Quando os dias se estendiam, podia dizer se o inverno estava partindo ou se persistiria apesar da primavera precoce.
Mais que tudo, aprendeu a linguagem dos pássaros. Quando um bando de gansos voava alto no céu indo para o norte ou para o sul, ouvia suas discussões sobre o tempo. Ela conversava com pardais, aprendendo onde frutos suculentos poderiam ser encontrados. Até as corujas conversavam com ela, compartilhando sua grande sabedoria.
Wakanee conhecia todos os segredos do inverno, pois ele a fizera sua filha naquele terrível ano. E, também todos os segredos dos pássaros, pois, tendo pago por seu crime, eles a adotaram como sendo uma deles.
E, assim, ela viveu, como única dentre seu povo, compartilhando com eles sua sabedoria duramente obtida.

3 comentários:

Unknown disse...

Achei esse texto muito lindo e extremamente educativo, sábio e orientador.
Parabéns

Thais Videl disse...

Que linda lenda! Eu particularmente gosto muito do inverno. Obrigada por compartilhá-la.

Anônimo disse...

Lindo mana! Adoro o inverno e a neve!
Obrigada por este lindo presente! Rossana